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17 novembro 2015

"Delação premiada não vai reduzir a corrupção", diz professora de Direito Penal

Para especialista em Direito Penal, colaboração de investigados não pode virar rotina, sob risco de ajudar criminosos a reduzirem suas penas.

Instituto excepcional para obtenção de provas, a delação premiada de investigados pode perder o sentido e favorecer criminosos se virar rotina em processos judiciais, alerta a advogada Patricia Vanzolini, mestre e doutora em Direito Penal pela PUC de São Paulo.

Para a especialista, que é professora de Direito Penal e Legislação Penal Especial e evita conclusões sobre a Operação Lava Jato, a colaboração premiada, por si só, não reduz a corrupção - e corre risco de ajudar figurões a aliviar penas nos crimes que cometem. Confira:

Boa parte dos processos penais, do alargamento das investigações e das condenações judiciais pós Lava Jato se deve aos acordos de colaboração dos investigados. Esse instituto veio para ficar?

O instituto não é tão novo assim, já que existe desde 1990, tendo sido a lei de crimes hediondos a primeira a tratar do assunto. A diferença é que o formato atual permite mais possibilidades de se conseguir o acordo, e por isso tem maior âmbito de aplicação.

Ainda há dúvidas no meio jurídico sobre sua validade e aplicabilidade?
O instituto, em si, não representa problemas, mas a forma com a qual está sendo executado pode, em alguns casos, ser considerada inválida, ou seja, inconstitucional. A prática deve ser aperfeiçoada, pois acordos feitos com réus presos, por exemplo, comprometem a voluntariedade exigida pela lei. E a inclusão de cláusulas contra direitos constitucionais ou a concessão de benefícios não previstos em lei não devem ser admitidas.

A lei prevê que os benefícios serão concedidos ao réu ou suspeito de cometer crimes se as informações forem comprovadas, mas as confissões feitas por investigados são provas inquestionáveis? Acordos de delação são 100% confiáveis?

Nenhuma delação pode ser considerada prova, apenas meio de obtenção de provas. Assim, todo o alegado pelo delator deve ser comprovado por outras provas.

Na opinião da senhora, a delação reconfigura a relação das empresas e entes privados com o poder público, no sentido de combater a corrupção?

A delação premiada, em si, não vai reduzir a corrupção. É medida posterior que visa facilitar o processo e eventual apuração de responsabilidades. A corrupção deve ser combatida com informação e sistemas de controle da atividade pública.

Juristas dizem que delação e acordo de leniência são a mesma coisa, só mudam de nome. Enquanto se aplica a delação premiada a pessoas físicas, a pessoa jurídica só pode informar sua conduta, dizer que fez cartel no contrato tal... Acha que a delação e os acordos de leniência tendem a se consolidar?

Apesar da delação que hoje vemos ter previsão apenas para o crime organizado, creio que se tornará padrão para qualquer situação de coautoria criminosa, pois traz uma situação melhor ao réu de um processo. Do mesmo modo, acordos de leniência também são considerados institutos políticos que ponderam sobre a real necessidade de se aplicar uma sanção sem pensar na contraprestação social que possa advir disso. Enquanto tiverem previsão legal, poderão ser aplicados. O receio é que a prática está atropelando a teoria, e talvez só tenhamos ideia do comprometimento do sistema processual democrático depois que algumas injustiças forem cometidas.

As investigações contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que correm no Supremo Tribunal Federal, surgiram na colaboração de Júlio Camargo na Lava Jato. Significa que essa prática, de delação, já “pegou” a ponto de ameaçar figurões do alto escalão da República?

Não se trata de “pegar” ou não. Trata-se de mais um método de obtenção de prova que passa a integrar o sistema processual penal, especificamente no tocante à investigação do crime organizado. Se alguém se vale de uma organização para cometer crimes, posteriormente poderá se valer do instituto em seu favor. Não se pode dizer que os figurões se sentirão ameaçados, mas certamente sabem que agora dispõem de mais uma forma de reduzir ou afastar a pena pelos crimes que cometeram. Por isso, a delação configura um método excepcional de complementação, diante da impossibilidade de obter algumas provas por meios normais.

Num ambiente nebuloso como o atual, como garantir que as informações do delator batem com a realidade?

Novamente, a delação é um meio de obtenção de prova. Por meio dela se devem buscar outras provas para corroborar o alegado pelo delator. A polícia tem experiência em investigações e cabe a ela encontrar, pelos meios tradicionais e menos excepcionais, as provas sobre o fato.

O delator se compromete a colaborar com a Justiça e denunciar os integrantes da organização criminosa. A soltura do delator, seja a liberdade condicional ou a prisão domiciliar, seria um prêmio para criminosos?

É, de fato, um prêmio. Por isso se chama delação premiada. Troca-se a punição de todos pela de alguns, por interesse social.



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