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19 março 2013

Valoração das circunstâncias judiciais do art.59

A aplicação da pena pelo Juiz ocorre, conforme determina o art. 68, do Código Penal (a partir de sua reforma, em 1984), em três etapas. Na primeira delas, avaliam-se as circunstâncias chamadas "judiciais", constantes do caput, do artigo 59, do Código Penal: culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do sentenciado; motivos, circunstâncias e conseqüências da infração penal; e, ainda, comportamento da vítima. Fixa-se, assim, com alicerce nessa apreciação, a pena-base, que servirá de ponto de partida para a próxima fase.

Por ocasião da segunda etapa, o Juiz aumenta ou diminui a pena-base, conforme exista, in casu, alguma(s) circunstância(s) agravante(s), prevista(s) nos artigos 61 e 62 do Código Penal, ou atenuante(s), prenunciada(s) nos artigos 65 e 66 do mesmo codex, chegando, dessa forma, a uma pena provisória.

Finalmente, na terceira fase dosimétrica, partindo o Magistrado dessa pena provisória, aumenta-a ou a diminui, de acordo com a constatação da ocorrência de causa(s) especial(is) de aumento ou de diminuição da pena, previstas em diversos dispositivos da Parte Geral do Código Penal, e, ainda, nos próprios tipos penais. Determina, assim, a pena definitiva a ser cumprida pelo condenado.

Levando-se em conta que, no caso concreto, pode não haver circunstâncias agravantes ou atenuantes, nem causas especiais de aumento ou de diminuição; mas, que, em todas as sentenças penais condenatórias, sem exceções, haverá que se analisar cada uma das oito circunstâncias judiciais (sob pena de nulidade da decisão), urge estabelecer quais os melhores critérios para examiná-las e, por conseguinte, obter-se a pena-base da forma mais justa possível.


1 – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

Previstas no art. 59 do Código Penal, as circunstâncias judiciais são assim denominadas por demandar uma análise quase sempre subjetiva por parte do julgador no momento da individualização da pena. Insta ressaltar, entretanto, que tal subjetividade não significa arbitrariedade, vez que o juiz estará limitado aos parâmetros estabelecidos pelo ordenamento pátrio, notadamente pelos princípios constitucionais.

Segundo dispõe a norma acima citada, “o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime...”. Dessas circunstâncias, conforme já citado, serão objeto de análise: culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade.

1.1 Culpabilidade

A culpabilidade é um dos institutos ensejadores de controvérsias dentro da Teoria do Delito. De forma simplista, sem intenção de analisar profundamente o tema, interessa ao presente trabalho a culpabilidade sob duas óticas distintas: a) como terceiro substrato do crime (teoria tripartite); b) como limite da pena (culpabilidade funcional).

Como substrato do crime, a culpabilidade, segundo a teoria finalista, é composta de imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Em sua análise, o julgador deve realizar um juízo de existência. Em outras palavras, ausente qualquer um de seus elementos, não haverá crime e, por consequência, a absolvição (própria ou imprópria) deverá se impor. Posteriormente, estando presente a culpabilidade, juntamente com os demais elementos do delito (tipicidade e ilicitude), o juiz, na dosimetria da pena, voltará a analisá-la, desta feita em relação a sua intensidade para fins de individualização da pena.

Analisando a culpabilidade como critério de fixação da pena base (art. 59 do Código Penal), a doutrina pátria não se encontra pacificada. Segundo Alice Bianchini, o termo em questão relaciona-se com o grau de menosprezo do agente perante ao bem jurídico lesado. Nesse sentido, para a autora, deverá o juiz:

“... no momento da sua aplicação deve levar em conta a posição do agente frente ao bem jurídico violado: a) de menosprezo total (que se dá no dolo direto); b) de indiferença (que ocorre no dolo eventual) e de c) descuido (que está presente nos crimes culposos). (…) a culpabilidade do art. 59 do CP não é a mesma coisa que juízo de reprovação ou de censura nem tampouco significa a soma de todas as demais circunstâncias do referido artigo.” (2009, p. 727)

Diverso é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci, para quem a culpabilidade estaria relacionada aos antigos institutos da “intensidade do dolo” e dos “graus da culpa”, presentes na antiga redação do art. 42 do Código Penal, anteriormente à reforma de 1984.

“No mais, quando se encontra no momento de fixar a pena, o julgador leva em conta a culpabilidade em sentido lato, ou seja, a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem.(…)

A culpabilidade, em nosso entender acertadamente, veio a substituir as antigas expressões “intensidade do dolo” e “graus da culpa”, previstas dentre as circunstâncias judiciais.” (2009, p. 173)

Por fim, há autores que sustentam que a culpabilidade, como limite da pena, é gênero do qual são espécies todos os outros elementos presentes no art. 59 do CP. É o entendimento de Zaffaroni e de Cleber Masson, vejamos:

“(...) entendemos que a medida da pena-base indica o grau de culpabilidade, e que as considerações preventivas permitem fixá-las abaixo desse máximo (…) A culpabilidade abarcará tanto os motivos (é inquestionável que a motivação é problema da culpabilidade), como as circunstâncias e consequências do delito (que podem compor também o grau do injusto que, necessariamente, reflete-se no grau de culpabilidade).” (ZAFFARONI, 2009. p. 709-710)

“(...) entende-se que a culpabilidade é o conjunto de todas as demais circunstâncias judiciais unidas. Assim, antecedentes + conduta social + personalidade do agente + motivos do crime + circunstâncias do delito + consequências do crime + comportamento da vítima = culpabilidade maior ou menor.” (MASSON, 2009. p. 593).

A singela análise realizada é suficiente para demonstrar algumas das dificuldades de aplicação do presente instituto. Com isso, para se garantir a isonomia e a segurança jurídica peculiares ao ordenamento penal de um Estado Democrático de Direito, é de suma importância que as futuras leis sejam dotadas de melhores técnicas legislativas, delimitando a extensão da culpabilidade para fins de aplicação da pena no caso concreto.

1.2 Antecedentes



A questão da definição dos antecedentes é tormentosa. A doutrina adrede entendia o seguinte:

Verifica-se a vida pregressa do réu, com base no que constar do inquérito policial (artigo 6º, incisos VIII e IX, do CPP) e nos demais dados colhidos durante a instrução do processo, apurando-se se já foi envolvido em outros fatos delituosos, se é criminoso habitual, ou se sua vida anterior é isenta de ocorrências ilícitas, sendo o delito apenas um incidente esporádico. (MIRABETE, 2008, 300)[2]

Assim também eram os magistérios de Magalhães Noronha e de Cezar Bitencourt. Evidencia-se que, na opinião desses autores, os antecedentes dizem respeito a toda a vida pregressa do réu sentenciado, podendo ser bons ou maus e envolvendo fatores que escapam ao próprio universo normativo do direito e atingem, por outro lado, o universo valorativo da moral. Entretanto, a partir de uma aplicação mais adequada da garantia da situação de inocência, insculpida no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição, o entendimento tem tendido a ser outro, ao menos para boa parte da doutrina e setor considerável da jurisprudência; mormente, a partir da edição da Súmula 444, do STJ, objeto das digressões deste texto.

E, na esteira de tal revisão conceitual, Rogério Greco, em posicionamento diametralmente oposto aos que se transcreveram anteriormente, afirma que

Os antecedentes dizem respeito ao histórico criminal do agente que não se preste para efeitos de reincidência. Entendemos que, em virtude do princípio constitucional da presunção de inocência, somente as condenações anteriores com trânsito em julgado, que não sirvam para forjar a reincidência, é que poderão ser consideradas em prejuízo do sentenciado (...).

O Supremo Tribunal Federal já se tinha manifestado nesse sentido:

(...) O princípio constitucional da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, LVII, da Carta Política não permite que se formule, contra o réu, juízo negativo de maus antecedentes, fundado na mera instauração de inquéritos policiais em andamento, ou na existência de processos penais em curso, ou, até mesmo, na ocorrência de condenações criminais ainda sujeitas a recurso, revelando-se arbitrária a exacerbação da pena, quando apoiada em situações processuais indefinidas, pois somente títulos penais condenatórios, revestidos da autoridade da coisa julgada, podem legitimar tratamento jurídico desfavorável ao sentenciado. Doutrina. Precedentes. (STF - 2ª Turma, HC 79966/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Celso de Mello, j. 13.06.2000; in DJU de 29.08.2003, p. 34).

E, mesmo o próprio STJ, antes até da edição da Súmula 444, já era de opinião que:

(...). 1- As decisões judiciais devem ser cuidadosamente fundamentadas, principalmente na dosimetria da pena, em que se concede ao Juiz um maior arbítrio, de modo que se permita às partes o exame do exercício de tal poder. 2- Inquéritos policiais e ações penais em andamento não constituem maus antecedentes, má conduta social nem personalidade desajustada, porquanto ainda não se tem contra o réu um título executivo penal definitivo. 3- (...) 4- (...). (STJ, HC 81.866/DF, Quinta Turma; Relatora Ministra Jane Silva, julgamento em 25 de setembro de 2007, publicado no DJ de 15 de outubro de 2007)

Uma interpretação constitucionalmente adequada do disposto no art. 59, do CP, força o reconhecimento de que só podem ser consideradas as condenações criminais transitadas em julgado, que não sirvam para a conformação da reincidência.

Nesses termos, levando a sério o alcance de sentido da circunstância em comento, os tribunais superiores nacionais têm entendido que aquelas condenações que já sofreram o efeito da caducidade quinquenal prevista no art. 64, do Código Penal, servem a configurar antecedentes. Ou seja, mesmo que, entre o cumprimento de pena anterior e o novo crime, a reincidência desapareça, aquela condenação definitiva contará para a exasperação da pena-base.

Foi o que decidiu o STJ, conforme se pode ver no julgamento do HC 30.211/SP, cujo relator foi o Ministro Felix Fischer:

(...) Decorrido mais de cinco anos, a sentença penal condenatória anterior não prevalece para efeito da reincidência (art. 64, I, do CP), subsistindo, no entanto, para efeito de maus antecedentes. Habeas corpus denegado.

E é essa, também, a orientação do Supremo Tribunal Federal, em recentíssima decisão:

(...). I - Embora o paciente não possa ser considerado reincidente, em razão do decurso do prazo de cinco anos previsto no art. 64, I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores caracteriza maus antecedentes e demonstra a sua reprovável conduta social, o que permite a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Precedentes. II - Recurso ordinário em habeas corpus desprovido. (RHC 106814 / MS Relator:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgado em 08 de fevereiro de 2011, pela primeira turma. Publicado em 24 de fevereiro de 2011).

Assim, tanto as condenações definitivas que não concretizem situação de reincidência, por não serem antecedidas por outra condenação irrecorrível ou que já tenham sofrido a caducidade de cinco anos, são eficientes para conformar a definição de antecedentes.

1.3 Conduta Social

A terceira das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do CP, diz respeito à conduta social do agente. Rogério Greco afirma que:

Verifica-se o seu relacionamento com seus pares, procura-se descobrir o seu temperamento, se calmo ou agressivo, se possui algum vício, a exemplo de jogos ou bebidas, enfim, tenta-se saber como é seu comportamento social, que poderá ou não ter influenciado no cometimento da infração penal.

Ou seja, quando se fala em comportamento social , o que se tem em vista é a relação do réu com seu ambiente social: pressupõe a externalização da personalidade. Conduta social, pois, tem a ver modo de comportar-se no espaço social ocupado pelo agente; tem a ver com seu “comportamento (...) nos papéis de pai/mãe, marido/esposa, filho, aluno, membro da comunidade, profissional, cidadão, etc.” (FERREIRA apud SANTOS, 2011, p. 311), “se foi um homem voltado ao trabalho, probo, caridoso, altruísta, cumpridor dos deveres, ou se transcorreu os seus dias ociosamente, exercendo atividades parasitárias ou antissociais” (COSTA JÚNIOR, 2010, p. 245). E é interessante refletir que o Judiciário deve levar em conta o ambiente em que vive o réu, não um espaço social ideal. Ney Moura TELES é incisivo nesse sentido:

Deve [o juiz] verificar se seu [do réu] comportamento é compatível com o aceito no ambiente de seu estrato social, por exemplo, na favela, com todas as suas características. Se, em seu meio, o condenado cumpre seus deveres, suas obrigações sociais, respeita os valores ali cultivados, convive harmoniosamente com seus pares, tal circunstância lhe será favorável, militará em seu favor, beneficiando-o com pena-base próxima do mínimo (2006, 365).

Desta forma, sabe-se que na definição de conduta social estão elementos relativos à forma como o sentenciado se comporta em seu ambiente social. Esse comportamento manifesta a relação do sujeito para com o direito e deve ser perquirido pelo Judiciário nos momentos da instrução em que estes dados possam vir à tona, como no depoimento de testemunhas ou no interrogatório. Recorde-se de que essa circunstância judicial pode servir para minorar ou majorar a pena-base. Lado outro, sabe-se, também, que procedimentos em curso, conforme já se viu nesta exposição, não podem prejudicar o sentenciado.

Os dissídios doutrinários e jurisprudenciais sobre o entendimento do que seja, efetivamente, a má conduta social persistem. No entanto, a transformação no entendimento do STJ – e também de outros tribunais – aponta no sentido de que o que não pode estar contido nessa circunstância está plenamente claro. Assim, parece que, na jurisprudência nacional, o conceito de conduta social tem sido formado por exclusão. Ou seja, por ser tarefa difícil especificar todas as situações que importem em mau ou bom comportamento social, os julgados recentes dos tribunais superiores são no sentido de excluir, caso a caso, determinados eventos. Veja-se o exemplo abaixo, retirado de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:

(...). 1.(...) 2. (...). 3. O fato de o paciente não trabalhar, por si só, não evidencia a negatividade das circunstâncias judiciais da conduta social e da personalidade, tendo em vista que a falta de emprego, diante da realidade social brasileira, é infortúnio, e não algo tencionado. 4. (...). (STJ, HC 120.154/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 01/02/2011)

1.4 personalidade do agente

A personalidade é definida pela doutrina como a índole do agente, sua maneira de agir e de sentir, seu grau de senso moral44, ou seja, a totalidade de traços emocionais e comportamentais do indivíduo45, elemento estável de sua conduta, formado por inúmeros fatores endógenos ou exógenos46.

A missão do Magistrado na valoração desta circunstância não é nada simples. Exige, em primeiro lugar, que ele tenha conhecimentos de psicologia e de psiquiatria. É preciso, ainda, que o processo esteja instruído com todos os elementos necessários a essa valoração. E, finalmente, que ao Magistrado tenha sido oportunizado o contato pessoal com o réu.

A realidade, no Brasil, conforme assevera Gilberto Ferreira47, é a de que o Juiz não tem condições de avaliar cientificamente a personalidade do criminoso, por quatro principais motivos: "Primeiro, porque ele não tem um preparo técnico em caráter institucional. As noções sobre psicologia e psiquiatria as adquire como autodidata. Segundo, porque não dispõe de tempo para se dedicar a tão profundo estudo. Como se sabe, o juiz brasileiro vive assoberbado de trabalho. Terceiro, porque como não vige no processo penal a identidade física, muitas vezes a sentença é dada sem ter o juiz qualquer contato com o réu. Quarto, porque em razão das deficiências materiais do Poder Judiciário e da polícia, o processo nunca vem suficientemente instruído de modo a permitir uma rigorosa análise da personalidade"

Fernando Galvão48 confirma esse entendimento, manifestando que o exame da personalidade é tarefa que supera as forças do Magistrado "padrão". Na obrigação legal de valorar tal circunstância, o Juiz acaba por fazê-lo de forma precária, imprecisa, incompleta, superficial, limitada, no dizer de Paganella Boschi49, a afirmações como "personalidade desajustada", "ajustada", "agressiva", "impulsiva", "boa" ou "má", que, tecnicamente, nada informam.

Por um lado, conforme consta do Acórdão da lavra do ilustre Juiz paranaense José Maurício Pinto de Almeida, "o dever de individualizar a pena fundamentadamente pode ser cumprido de forma concisa, desde que se apontem elementos de convencimento judicial das conclusões emitidas pelo julgador. De outro lado, não se pode confundir, na motivação da aplicação da pena, fundamentação concisa com frases abertas e genéricas que enfeixam demasiada concisão, a qual acaba por gerar carência de motivação, ferindo-se assim o inc. IX do art. 93 da Constituição Federal, que contém princípio de ordem pública." 50

Cumpre destacar que a personalidade do agente é característica individual. Praticamente impossível, portanto, repetir-se em terceiros, com igual forma e intensidade. Assim, é temerário considerar a personalidade de co-réus como idênticas.

Também não pode o Magistrado julgar o agente pelo que seus ancestrais praticaram nem pelo que pratica o agrupamento ou grupo social do qual participa51.

Salo de Carvalho52, ao tratar do tema, conclui pela verdadeira "impossibilidade técnica de o jurista proceder tal averiguação e, conseqüentemente dela retirar os efeitos legais". Defende, também, que essa circunstância judicial, por evidente consagração ao "direito penal de autor", fere o pensamento penalístico atual, citando julgado nesse sentido53.

Valem, também, aqui, as anotações sobre o especial cuidado que deve ter o Juiz para não incidir em bis in idem, ou seja, para não considerar, na análise da personalidade, fatores: que já foram utilizados na valoração negativa de outra circunstância judicial; ou que constituam ou qualifiquem o delito; ou, ainda, que caracterizem agravante ou causa especial de aumento de pena.

Destarte, é proibido, por exemplo, que utilize a justificativa da "personalidade deturpada em razão da reiteração criminosa" quando for considerar o aumento de pena relativo ao crime continuado54, para não incidir em bis in idem.

Geralmente são considerados na valoração da personalidade os seguintes elementos: laudos psiquiátricos, informações trazidas pelos depoimentos testemunhais e, ainda, a própria experiência do Magistrado em seu contato pessoal com o réu.

Não havendo, contudo, nos autos, elementos suficientes para o exame da personalidade, ou, ainda, tendo o Juiz a consciência de sua inaptidão para julgá-la, não deve hesitar em declarar que não há como valorar essa circunstância e em abster-se de qualquer aumento de pena relativo a ela. Melhor será reconhecer a carência de elementos ou a própria inaptidão profissional do que acabar agravando a pena do sentenciado por uma valoração equivocada, pobre de provas ou injusta.



1.5 Dos motivos da infração penal


Não há dúvidas de que, conforme a motivação que levou o agente a delinqüir, sua conduta poderá ser bem mais ou bem menos reprovável. No dizer de Bitencourt e de Regis Prado, os motivos "constituem a fonte propulsora da vontade criminosa"55, sendo esta, para Magalhães Noronha56, a mais importante de todas as circunstâncias para se auferir a quantidade de pena.

Não existe conduta humana desprovida de motivos. Se fosse possível, na prática forense, encontrar um caso de crime sem motivo, dever-se-ia desconfiar das faculdades mentais do acusado57.

No exame dessa circunstância judicial, o magistrado deve indagar: qual a natureza e a qualidade dos motivos que levaram o agente a praticar a infração penal?58.

Não se trata, portanto, de analisar a intensidade de dolo ou culpa59, mas de descobrir se a qualidade da motivação do agir do agente merece mais ou menos reprovação.

Assim, o agente que furta para satisfazer a necessidade alimentar o filho tem motivação menos reprovável (porque nobre) do que aquele que furta para prejudicar o desafeto (por inveja ou por vingança).

O médico que facilita a morte do paciente, diante de seu desmedido e incombatível sofrimento, possui motivo menos reprovável do que o agente que mata o irmão, para que seja o único sucessor do patrimônio do ascendente.

Nélson Hungria, citado por Gilberto Ferreira60, indica alguns dos motivos que devem ser sopesados nesta fase dosimétrica: "Motivos imorais ou anti-sociais e motivos morais ou sociais, conforme sejam, ou não, contrários às condições ético-jurídicas da vida em sociedade. O amor à família, o sentimento de honra, a gratidão, a revolta contra a injustiça, as paixões nobres em geral podem levar ao crime; mas o juiz terá de distinguir entre esses casos e aqueles outros em que o ‘movens’ é o egoísmo feroz, a cólera má, a prepotência, a malvadez, a improbidade, a luxúria, a cobiça, a ‘auri sacra fames’, o espírito de vingança, a empolgadura de vícios."

O motivo da infração, assim como as demais circunstâncias judiciais, não pode ser valorado negativamente quando integrar a definição típica, nem quando caracterizar circunstância agravante ou causa especial de aumento de pena.

De igual modo, quando o motivo do agente é o normal à espécie delitiva, não pode o Juiz aumentar a reprimenda, tendo em vista que aquele, por ser inerente ao tipo, já possui a necessária censura, prevista, até mesmo, na pena mínima abstrata.

Exemplificando: num caso de furto praticado pelo desejo de obtenção de lucro fácil, o Juiz deve entender pelo não recrudescimento da pena em razão desta circunstância judicial pois, freqüentemente, este é o motivo dos crimes de furto (assim como a satisfação da lascívia, nos crimes de estupro; o enriquecimento, nos crimes fiscais…). Os motivos diversos dos normais à espécie delitiva, portanto, é que devem ser valorados pelo Magistrado.

Assim, reprise-se, deve o Juiz agir com a máxima cautela para, no exame dos motivos, não incorrer em dupla valoração (bis in idem).

O motivo fútil e o motivo torpe, por exemplo, aparecem como agravante genérica no art. 61, inciso II, alínea a, do Código Penal. Portanto, se o motivo do agente, ao cometer uma infração, foi fútil ou torpe, não poderá sopesá-lo o Magistrado como circunstância judicial desfavorável, haja vista que é agravante, portanto, computada apenas na segunda fase da dosimetria.

Da mesma forma, se o crime cometido por motivo torpe ou fútil for o homicídio, a motivação caracterizará qualificadora, prevista no art. 121, §2º, inciso I ou II, respectivamente, do Código Penal, não podendo, também, ser valorada como circunstância judicial negativa.

É possível, ainda, citar o exemplo do motivo de relevante valor social ou moral que, em regra, será atenuante (art. 65, III, alínea a, do Código Penal); e, excepcionalmente, poderá caracterizar causa de diminuição da pena no crime de homicídio (art. 121, §1º, do CP) e de lesão corporal (art. 129, §4º, do mesmo codex). Nestes casos, por evidente, a motivação jamais poderá ser valorada em desfavor do condenado.



1.6 Das circunstâncias

Por circunstâncias da infração penal, indicadas no artigo 59, do Código Penal, entendem-se todos os elementos do fato delitivo, acessórios ou acidentais, não definidos na lei penal61.

Compreendem, portanto, "as singularidades propriamente ditas do fato e que ao juiz cabe ponderar" 62.

Alberto Silva Franco sugere que, na análise das circunstâncias do delito, o Juiz analise: "o lugar do crime, o tempo de sua duração, o relacionamento existente entre autor e vítima, a atitude assumida pelo delinqüente no decorrer da realização do fato criminoso"63 e Gilberto Ferreira acrescenta a esses fatores a maior ou menor insensibilidade do agente e o seu arrependimento64.

Com base nessa definição, é mais censurável a conduta do agente que matou alguém na igreja ou na casa da vítima do que aquele que a matou em sua própria casa. Por outro lado, é menos censurável o agente que se demonstrou sinceramente arrependido da prática delitiva do que aquele que comemorou o evento embriagando-se65.

Mister destacar que, para fins de fixação da pena-base, as circunstâncias, no concurso de pessoas, só se comunicam ao co-autor no caso de ele conhecer a sua ocorrência66. Isso se deve à determinação do art. 29, do Código Penal que reza que o indivíduo só pode responder pelo crime, na medida de sua culpabilidade.

Não se pode esquecer, também aqui, de evitar o bis in idem pela valoração das circunstâncias que integram o tipo ou qualificam o crime, ou, ainda, caracterizam agravante ou causa especial de aumento de pena.

Assim, o número de tiros ou golpes de faca, no homicídio simples, pode ser avaliado como circunstância. Já, o fato de o agente ter assassinado a vítima com o emprego de veneno, não; pois configura qualificadora do crime nos termos do art. 121, §2º, III, do CP.

Algumas vezes, a constatação de que determinada circunstância já é inerente ao tipo penal não decorrerá da simples leitura do dispositivo legal e o Magistrado necessitará um pouco mais de cuidado nesse estudo.

Por exemplo, no crime de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias (art. 168-A, do CP), não poderá o Juiz aumentar a pena pela circunstância de contar o réu com assessoria contábil, posto que, de um estudo mais criterioso, esse fato é normal ao tipo penal67.

Se assim pudesse ocorrer, a sentença nada mais estaria fazendo do que reafirmando a ocorrência do crime. Nesse norte, o STJ reformou a pena aplicada ao advogado condenado pelo crime de apropriação indébita em razão da profissão (art. 168, §1º, III, do CP), que teve a sua pena-base fixada acima do mínimo legal porque a análise dos motivos e das circunstâncias do crime como desfavoráveis ocorreu com fundamento em elementos comuns ao próprio tipo penal. O Acórdão, da lavra do eminente Ministro Gilson Dipp e publicado recentemente, corrigiu o lapso daquela sentença monocrática: "As circunstâncias judiciais relativas aos motivos (‘desejo de possuir mais do que lhe pertence por direito’) e às circunstâncias do crime (‘recebimento do numerário, na condição de advogado da vítima, sem o correspondente repasse’) não podem ser consideradas para aumentar a pena-base, pois se encontram ínsitas ao próprio tipo penal" 68.

Não basta, no entanto, que a circunstância não esteja prevista na lei. Ela deve ser relevante e indicar uma maior censurabilidade à conduta praticada pelo condenado.

Não atendem a essa finalidade as justificativas imprecisas, na sentença, do tipo: "agiu de modo bárbaro", "agiu com exagero", etc...

Faz-se necessário precisar os fatos concretos, provados nos autos, que caracterizem as circunstâncias do crime, valoradas positiva ou negativamente.

A sentença que não fundamenta sua valoração das circunstâncias do crime ou que não indica os elementos dos autos que formaram o convencimento do Juiz quanto a essa valoração padece de nulidade.



1.7 Das consequências

O dano causado pela infração penal, na lição de Gilberto Ferreira, pode ser material ou moral. Será material quando causar diminuição no patrimônio da vítima, sendo suscetível de avaliação econômica. Por outra banda, o dano moral implicará dor, abrangendo tanto os sofrimentos físicos quanto os morais69.

No exame das conseqüências da infração penal, o Juiz avalia a maior ou menor intensidade da lesão jurídica causada à vítima ou a seus familiares70.

No entanto, cumpre lembrar o ensinamento de Paganella Boschi de que devem ser sopesadas apenas as conseqüências que se projetam "para além do fato típico", sob pena de incorrer-se em dupla valoração71.

Dessa forma, não se pode considerar como conseqüência desfavorável do crime de homicídio, a perda de uma vida, posto que inerente ao tipo penal. Contudo, pode-se utilizar, nesta etapa da dosimetria, o fato de o agente ter ceifado a vida de um pai de família numerosa, o que é mais censurável do que a conduta daquele que assassinou uma pessoa solteira.

De igual modo, no crime de omissão de recolhimento de contribuição previdenciária, o prejuízo causado à Previdência Social integra o tipo e já está devidamente censurado pela pena cominada72, até mesmo no mínimo legal.

O Supremo Tribunal Federal também já decidiu que, em crime de responsabilidade de prefeito, a justificativa de que o crime "causou prejuízos que dificilmente serão recompostos" configura característica inerente a todo dano dessa espécie, assim como o "prejuízo de monta", já que "não reveladores de conseqüência específica do crime, diversa dos efeitos produzidos pela lesão patrimonial que constitui a materialidade do delito punido" 73.

José Eulálio de Almeida74 e Adalto Dias Tristão75 referem-se, ainda, ao clamor público causado pela infração penal na ponderação das conseqüências. Todavia, há que se considerar o fato de que o clamor público nem sempre se dá em razão da gravidade do delito, mas, por outros motivos como, por exemplo, o prestígio ou a posição social do agente ou da vítima; ou, ainda, o interesse circunstancial da imprensa na divulgação do delito. Portanto, o clamor público, por si só, não pode ser considerado como conseqüência desfavorável ao agente, porque não traduz, necessariamente, um juízo de maior reprovação da conduta. Ocorrem muitos delitos merecedores de grande censura que só não causam clamor público por um fator "de sorte". Por isso, melhor é o entendimento da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, manifestado no julgamento da Apelação Criminal nº 63286-0. Consta da ementa do v. Acórdão, da lavra do i. Desembargador Nunes do Nascimento:

"…Sem obstância, a mesma sentença torna-se claramente inadequada no tópico em que aplica a reprimenda equivalente ao dobro do mínimo para a ocultação de cadáver, justificando a exacerbação com a repercussão que o crime causou na sociedade e na mídia, pois é certo que esse fundamento não está elencado no rol do art. 59" 76

Já, no que tange aos crimes de perigo, o exame das conseqüências deve ser feito a partir da intensidade do perigo de dano77.

Finalmente, não pode o Magistrado, simplesmente, utilizar-se de singelos argumentos, como, por exemplo, a ocorrência de "conseqüências de monta". Deve, também aqui, tomar o máximo cuidado para deixar muito bem fundamentada a análise das conseqüências, embasando sua valoração em fatos concretos e provados (não presumidos) nos autos.

1.8 - Comportamento da vítima


Inovação trazida com a Reforma da Parte Geral do Código Penal, em 1984, esta circunstância judicial reafirma a crescente importância da vitimologia no Direito Penal atual.

Na valoração da última circunstância judicial "é preciso perquirir em que medida a vítima, com a sua atuação, contribuiu para a ação delituosa. Muito embora o crime não possa de modo algum ser justificado, não há dúvida de que em alguns casos a vítima, com o seu agir, contribui ou facilita o agir criminoso, devendo essa circunstância refletir favoravelmente ao agente na dosimetria da pena" 78.

Quando a vítima instiga, provoca, desafia ou facilita a conduta delitiva do agente, diz-se, portanto, que a oitava circunstância judicial está favorável ao réu. Nesses casos, a vítima teve participação efetiva na culpabilidade do autor, posto que enfraqueceu a sua determinação de agir conforme o Direito. Logo, por conseqüência, merece o agente, nessa situação, uma censura penal mais branda do que a que lhe caberia nos casos de ausência total de provocação da vítima79.

Nos crimes patrimoniais, por exemplo, tem diminuída a sua capacidade de se comportar de acordo com o ordenamento jurídico o agente que pratica furto de veículo, cujo proprietário adentrou a um estabelecimento comercial próximo para fazer compras, deixando seu carro estacionado em via pública, com as janelas abertas, as portas destravadas e a chave na ignição, numa região onde isso não costuma ocorrer. A censurabilidade, portanto, de sua conduta é menor do que a do ladrão que premedita o furto de um automóvel.

Fernando Galvão assevera que "juridicamente, não se pode reprovar a conduta do proprietário que deixa a porta de sua casa aberta" e que, no entanto, quando este comportamento da vítima resultar em estímulo à prática da infração, deve ser sopesado para minorar a resposta penal ao autor do fato80.

Nos crimes contra os costumes, por sua vez, conforme leciona o Professor Túlio Lima Vianna, não será considerado favorável ao agente o comportamento da vítima pela "mera roupa provocante com a qual desfila a moça em local ermo, pois ninguém é obrigado a trajar-se com recato" 81. Por outro lado, a moça que aceita ir ao motel com um rapaz e lá, desiste da relação no último momento, certamente contribui para a prática do estupro, concluindo o autor que: "a clara diferença entre os dois comportamentos das vítimas está na absoluta passividade do primeiro e na atividade do segundo". Aliás, o pouco recato da vítima nos crimes contra os costumes mereceu expressa referência na Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal (item 50).

Desse modo, quando o comportamento da vítima contribuiu para a prática do delito, esta circunstância será valorada, pelo Juiz, a favor do condenado. Ao revés, se não contribuiu, lhe será desfavorável.

Contudo, deve o Magistrado ficar atento, pois há espécies de delitos em que, por sua natureza, a vítima nunca poderá provocar o agente, e, nesses casos, deve ser ignorada essa circunstância judicial para fins de recrudescimento da pena.

Exemplo disso ocorre nos delitos de sonegação fiscal e de uso de substância entorpecente, onde a vítima (Fazenda Pública e coletividade, respectivamente) não tem qualquer possibilidade fática de provocar ou facilitar a conduta do agente.

Finalmente, há que se observar que provocação da vítima não se confunde com agressão. A agressão da vítima, na maioria das vezes, poderá gerar situação de legítima defesa, o que ocasionará a exclusão da ilicitude, sem que se chegue, portanto, à aplicação de uma pena.

Haverá casos, ainda, em que a injusta provocação da vítima caracterizará causa de diminuição de pena, a ser sopesada somente na terceira etapa da dosimetria, como ocorre no homicídio (art. 121, §1º, do CP) e nas lesões corporais (art. 129, §4º, do CP)

Fonte: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11631

http://jus.com.br/revista/texto/6232/criterios-para-a-valoracao-das-circunstancias-judiciais-art-59-do-cp-na-dosimetria-da-pena/1

http://www.conjur.com.br/2011-abr-21/antecedentes-criminais-nao-servem-condenar-reincidente

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