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17 fevereiro 2013

Criminologia midiática e os exageros da nova lei seca

LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.

A criminologia midiática, como parte da premissa equivocada de que o maior rigor penal significa automaticamente menos crimes, procura quase sempre realçar o lado punitivo das novas leis e das políticas públicas (como se ele fosse a solução dos problemas). Veja esta notícia: “Cresce 50% o número de motoristas presos após lei seca ficar mais rígida” (O Estado de S. Paulo de 04.02.13, p. C1).
Qual mensagem está transmitindo aos leitores desavisados? A nova lei é mais rígida, a lei mais rígida significa mais prisão e (implicitamente) mais prisão significa menos crimes. Essa crença está fundada numa causalidade mágica que não se sustenta. Zaffaroni (2012ª, p. 303) explica:
“(Criminologia paralela) Dissemos, desde o nosso primeiro encontro, que existe uma criminologia midiática que pouco tem a ver com a acadêmica. Poder-se-ia dizer que, em paralelo às palavras da academia, há uma outra criminologia que atende a uma criação da realidade através da informação, subinformação e desinformação midiática, em convergência com preconceitos e crenças, que se baseia em uma etiologia criminal simplista, assentada em uma causalidade mágica.
“(Sempre houve criminologias midiáticas) Sempre houve criminologias midiáticas vindicativas que apelaram para uma causalidade mágica. O mágico não é a vingança que, como vimos há uns dias, é um sentimento que se reforça por efeito da concepção linear do tempo que caracteriza a nossa civilização. O mágico é a ideia da causalidade especial, usada para canalizar a vingança contra determinados grupos humanos, o que, nos termos da tese de René Girard que comentamos dias atrás, faz desses grupos humanos bodes expiatórios.”
Há uma conivência entre o poder punitivo estatal e a criminologia midiática (que se encarrega da sua propaganda): o primeiro muitas vezes adota posturas inconstitucionais ou ilegais (porque o estado de polícia é tendencialmente autoritário) e tudo isso acaba sendo difundido pela propaganda midiática desse poder punitivo estatal nem sempre respeitador do estado de direito.
No caso concreto da interpretação da nova lei seca, a Resolução 432/13 do Contran adotou erradamente o critério quantitativo para distinguir a infração administrativa da criminal (0,34 mg/L de ar expelido já é crime, independentemente da forma de conduzir o veículo e da real alteração da capacidade psicomotora do agente).
Antes, a lei de 2008 não “pegou” porque foi malfeita. Agora o nova lei seca corre o risco de também “não pegar” porque a interpretação está sendo malfeita. Se o critério é quantitativo, basta que o condutor se recuse a fazer o etilômetro ou o exame de sangue. Restarão os sinais. Ocorre que os sinais são de valoração subjetiva. O policial pára o condutor e nota sinais de embriaguez. Onde vai enquadrá-lo? Na infração administrativa ou no crime? Aqui não existe base para o critério quantitativo. Tudo depende da valoração do policial e, depois, do juiz.
Qual seria o critério válido para a distinção? A forma de conduzir o veículo (normal ou anormal). Mas esse critério não pode ser válido somente para quem recusou o etilômetro. Não podemos ter dois critérios distintos, sob pena de violação do princípio da igualdade. De acordo com nossa opinião o critério da condução anormal é o que vale para todas as situações (é o mais justo, o mais correto, o único constitucionalmente válido). Nada disso aparece na criminologia midiática, que só pensa na causalidade mágica: mais rigor da lei significa mais prisão e mais prisão significa menos crimes! Nem sempre isso é correto. Aliás, quase sempre é incorreto. Ela acha que quanto mais dureza, menos crimes. Crença infundada. De 1990 a 2012 o legislador brasileiro aprovou 86 leis penais e nenhum crime diminuiu (muito menos as mortes no trânsito).
O decisivo é a fiscalização (e a correta aplicação da lei). Logo após o CTB (1997) tivemos diminuição nas mortes no trânsito até o ano 2000. Por quê? Excelente fiscalização. A partir de 2001 os números voltarem a subir (sendo que a lei era a mesma). Por quê? Porque a fiscalização afrouxou.
Conclusão: a eficácia preventiva da punição é muito acessória e humilde. Não podemos jogar toda nossa energia nela (como faz a criminologia midiática). O problema das mortes no trânsito é mais complexo e passa pela fórmula EEFPP: Educação, Engenharia, Fiscalização, Primeiros socorros e Punição. Tudo tem que funcionar bem para que algum resultado positivo aconteça. Para a criminologia midiática tudo se resolveria somente com o quinto eixo. Deplorável engano!

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