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06 setembro 2012

A LIBERDADE DAS PROVAS E A VEDAÇÃO ÀS PROVAS ILÍCITAS

Vigora no processo penal a regra da liberdade dos meios de prova (artigo 155 de parágrafo único do Código de Processo Penal), com algumas exceções legalmente previstas, dentre as quais destaca-se a proibição das provas obtidas por meios ilegais (art. 5º LVI da CF).
A vedação abrange tanto as provas ilícitas, ou seja, obtidas com violação de regra de direito material; como as provas ilegítimas, obtidas com violação de regra de direito processual.
Todas as provas que derivem das ilícitas padeceram do mesmo vício, conforme prevê a primeira parte do parágrafo primeiro do artigo 157 do CPP, que adotou a teoria dos frutos da árvore envenenada, oriunda do direito norte-americano.
Contudo, não será considerada ilegal por derivação a que for obtida por fonte independente ou cuja descoberta era inevitável.
Por fonte independente entende-se aquela prova que foi obtida autonomamente, não havendo qualquer nexo entre ela e a prova ilegal.
Por descoberta inevitável, entende-se a situação em que se demonstra, por probabilidade, que os elementos colhidos a partir da prova ilegal poderiam perfeitamente serem obtidos a partir de outro meio. Ou seja, seriam obtidos ainda que não houvesse a prova ilegal.
Nessas duas hipóteses, como se vê, a relação de causalidade não existe, de modo que não há que se falar em contaminação: o vício da prova ilegal não afeta a validade dessas outras.

1. A "EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO": A ADMISSIBILIDADE DE PROVAS ILEGAIS NO PROCESSO PENAL
 
A vedação às provas ilegais no processo penal não é absoluta, havendo mitigações apontadas pela doutrina e jurisprudência mais recentes, mediante aplicação do princípio da proporcionalidade.
Pela teoria dos direitos fundamentais, sabe-se que não há direito absoluto, e sempre que houver colisão entre direitos, é necessária a ponderação de bens e valores, conferindo-se maior peso àqueles que possuírem maior importância, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
O ilustre Gilmar Ferreira Mendes, em seu curso de Direito Constitucional (Editora Saraiva, edição 2008) assim explica esse processo: "O juízo de ponderação a ser exercido liga-se ao princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema, que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução".
Assim, quando houver outro valor fundamental protegido que se mostre concretamente mais relevante que o bem atingido com a obtenção da prova, justifica-se a admissão da prova ilegal.
Logo, a vedação do artigo 5º LVI da CF pode ser afastada quando houver outro bem de maior importância em jogo, tal qual o estado de inocência do acusado, e sua ampla defesa.
Já é pacífica a possibilidade de réu valer-se de gravação ou correspondência, obtidas ilicitamente, com o fim de provar sua inocência. Nesse caso, a proporcionalidade incide por determinação específica do legislador, que previu causas excludentes de ilicitude, no artigo 23 do Código Penal, tais como o estado de necessidade e a legítima defesa.
Falou-se, até então, em admitir prova ilegal a favor do réu (pro reo).
Contra o réu, a questão tem sido mais polêmica.
Há uma parcela da doutrina que admite a utilização de prova ilícita contra o réu, ou seja, pro societate, em casos de grandes reflexos, tais como crimes que representem extremo risco ao corpo social, mormente crime organizado. Nesse caso o interesse público preponderaria. Esse entendimento, contudo, não tem prevalecido, diante dos primados do Estado democrático de direito.
O que se admite é exclusão de ilicitude, quando a vítima de um crime, defendendo-se de uma injusta agressão, obtém gravações ou documentos que incriminem o autor do delito (seqüestro ou extorsão por exemplo). Nesse caso, pode-se dizer que os direitos e garantias individuais não podem servir de escudo para prática de atos ilícitos, de modo que o criminoso não poderia se socorrer da proteção dos sigilos constitucionais. Assim, a prova de acusação seria admitida, por se tratar de reação justificada.
Situação excepcional julgada pelo Supremo Tribunal Federal, na Reclamação 2040/DF, foi a admissão de exame de DNA realizado com placenta da gestante (uma artista mexicana), sem sua autorização, para instruir processo criminal de estupro, crime do qual tinha sido vítima. Considerou legal a prova, eis que não houve qualquer lesão à integridade física da vítima ou de algum dos acusados.
Do mesmo modo, conforme descreve Eugenio Pacelli, em seu curso de Processo Penal (Editora Lumen Iuris, edição 2007), quem está em flagrante de delito não pode invocar proteção constitucionais para não ser incriminado com filmagens ou gravações ambientais.
2. QUESTÕES MAIS COMUNS ENVOLVENDO DIREITOS FUNDAMENTAIS E PROVAS ILEGAIS
Vale tecer algumas considerações quanto a alguns direitos fundamentais cuja aplicação interessa diretamente ao tema ilicitude da prova, citando-se exemplos mais comuns.
Com relação ao sigilo de correspondência, embora a constituição não preveja, predomina que é possível que seja afastado, quando presentes, no caso concreto, justificativas razoáveis, até porque não é absoluto.
Um bom exemplo é apontado pela doutrina: correspondência remetida ao preso que contenha plano de fuga e seqüestro de um juiz.
Nesse caso é perfeitamente adequado que os agentes penitenciários violem a correspondência, eis que, como já se disse, o sigilo não pode servir de escudo para práticas ilícitas, além do que a proteção da vida do magistrado e da segurança do presídio justificam essa prática.
No que diz respeito ao sigilo das comunicações telefônicas, pode ser afastado mediante interceptação telefônica judicialmente autorizada, nos termos da lei 9296/96.
Aqui é importante diferenciar interceptação, tratada pela lei, aquela realizada por terceiro sem consentimento dos interlocutores, e gravação, que é realizada por um dos interlocutores.
Para gravação não se exige autorização judicial para sua realização, nem haverá qualquer ilicitude na gravação em si. Contudo, em razão do direito à intimidade, será ilícita a divulgação do conteúdo de conversa sigilosa, salvo se houver amparo de excludente de ilicitude ou justa causa.
Também, não é legal a divulgação de conversa quando ocorrida em lugar reservado, tal qual domicílio de um dos interlocutores. Nesse caso incide o sigilo da inviolabilidade domiciliar.
Em respeito ao direito de não produzir provas contra si mesmo, não é válida a confissão obtida por agente público em conversa com o suspeito, sem que tenha lhe informado do seu direito de permanecer em silêncio.
Será admissível, como prova processual penal, a gravação ambiental de diálogo não sigiloso, ocorrida em lugar público.
3. O ENCONTRO FORTUITO E ILEGALIDADE
Convém ainda ressalvar que são legais as provas encontradas no cumprimento normal de uma diligência (busca e apreensão ou interceptação telefônica, por exemplo), desde que não tenha havido qualquer desvio de finalidade.
Essas podem perfeitamente ser utilizadas no processo e, no caso da interceptação telefônica, se tiverem conexão com objeto da investigação. Caso não tenham, servirão como notícia para instauração de outro procedimento investigativo.
Portanto, as provas decorrentes da extrapolação dos poderes conferidos pelo mandado judicial são ilegais.
4. CONSEQÜÊNCIAS DA PROVA ILEGAL NO PROCESSO PENAL
Se a prova ilícita foi obtida no inquérito, deve ser arquivado pelo promotor, caso não hajam outras provas que sirvam de justa causa ao oferecimento da denúncia.
Durante o processo, cabe ao juiz indeferir pedido de produção de prova ilegal, ou determinar desentranhamento do processo, caso já conste dos autos, conforme dispõe o caput do artigo 157 do CPP.
Após julgamento, resta a via recursal para anulá-lo, caso a prova ilegal tenha sido determinante à fundamentação do órgão jurisdicional. Em se tratando de tribunal do Júri, em que vigora a íntima convicção, não se poderá medir a influência da prova ilegal na decisão dos jurados, razão pela qual, em qual caso o julgamento deverá ser anulado.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, podemos apresentar as seguintes conclusões:
1) Em regra são admitidos todos meios de prova em Processo Penal, ressalvadas exceções legais, tais como a prova ilegal.
2) A prova ilegal é gênero que compreende a prova ilícita e a prova ilegítima.
3) A prova derivada da ilegal é inadmitida porque sofre contaminação. Contudo, as provas que não tenham nexo com a ilícita, seja porque provavelmente seriam obtidas por outros meios lícitos, seja por decorrerem de fonte independente, são válidas.
4) A prova ilícita pode ser admitida no processo penal por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade, quando, no caso concreto, existirem direitos e valores em jogo mais relevantes que justifiquem, tais como o estado de inocência do acusado, a ampla defesa, e o direito de a vítima se defender de injusta agressão.
5) É ilegal toda prova produzida a partir de violação de direito fundamental, sem que haja justificativa razoável.
6) É ilegal a prova produzida em razão de desvio dos poderes conferidos por mandado judicial, na realização de diligências.
7) A prova ilegal deve ser desentranhada do processo, e caso tenha sido determinante para o julgamento, implicará na nulidade da decisão. 

Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081107165102491

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